
Médicos, advogados, professores, economistas, engenheiros e tantos outros profissionais de relevância na comunidade — alguns já falecidos — concluíram os estudos superiores em Salvador, na Universidade Federal da Bahia, quando Feira de Santana ainda não tinha universidade, graças à Residência Universitária, mantida pela Prefeitura Municipal. Um tempo fraterno de esforço, dedicação e sonhos, com muita solidariedade, como lembra o doutor João Batista Cerqueira.
Iniciativa do governo Getúlio Vargas (1930/1954), o surgimento das residências universitárias federais, com o intuito de proporcionar o acolhimento de estudantes aprovados em vestibulares em estabelecimentos do ensino superior fora de suas cidades, foi recebida como extremamente benéfica e logo acompanhada por algumas administrações municipais. Na Bahia, esse privilégio coube a Feira de Santana, em 1967, com a instalação da Residência Universitária (RUF) em Salvador, na administração do prefeito João Durval Carneiro. Ali já existia uma similar de cunho federal.
O conceituado médico urologista, ex-vereador e escritor João Batista Cerqueira, que durante breve espaço de tempo residiu na RUF, lembra, saudoso, da instituição vista como fruto de uma rememorável política pública do regime getulista, sob todos os aspectos, e que, estimativamente, deve ter beneficiado em torno de 1.200 estudantes concluintes do segundo grau em Feira de Santana, embora muitos deles não fossem feirenses de nascimento, a exemplo dele.
Natural de Nova Soure, muito cedo João Batista veio para a Cidade Princesa com a família e concluiu estudos na Escola Normal, na época sediada na Rua Conselheiro Franco, e que ele reputa como referência no ensino secundário, pelo recorde de alunos aprovados em vestibulares. A Escola Normal funcionava onde hoje está o Centro Universitário de Cultura e Arte (CUCA). Aprovado no vestibular da Universidade Federal da Bahia (UFBA), como tantos outros jovens, ele morou em um pensionato e também, por algum tempo, foi residente na RUF. Lembra que a residência mantida pelo governo federal ficava no Corredor da Vitória; já a Residência Universitária de Feira de Santana, que era masculina, na Rua Comendador Rubens Costa, número 10, no bairro dos Barris. A RUF foi uma reivindicação levada ao prefeito João Durval através do estudante João Pires Caldas.
Como era impossível atender a todos os pedidos, anualmente eram selecionados entre 40 e 50 jovens que ficavam na RUF, portanto conhecidos como ‘rufiões’ (nada a ver com o verdadeiro sentido da palavra), todavia sem direito às refeições, que eram feitas fora, algumas vezes até na cantina mantida pela residência universitária federal. A fraternidade e a solidariedade eram marcantes entre os residentes, destaca o médico João Batista, lembrando que, por vezes, o alimento adquirido por um universitário era dividido com outro colega.
Desse tempo de sonho e amizades duradouras ele lembra muitos colegas. Vale destacar que foram moradores da RUF e da residência federal, nessa época e pouco depois, jovens que se tornaram profissionais respeitados em suas áreas, como o Dr. Getúlio Barbosa, José Carlos Barreto (ex-reitor da UEFS), Carlos Alberto Brito (secretário municipal), Edmilson Silva Pimenta (juiz de Direito), Messias Gonzaga (ex-vereador), Deraldo Cerqueira, Miguel Peruna, Peron Queiroz, Élcio Farias Prado, Lamartine Mota, Gilberto Campos, Nantes Bellas Vieira (Dr. Bibi), Raimundo Mendes, o advogado José Neto, o urologista José Neto, Dr. Pacífico, Wellington Nogueira e o professor Carlos Alberto do Carmo.
João Batista ressalta a cordialidade e a solidariedade existentes e, com reconhecimento especial, cita o saudoso Carlos Alberto do Carmo, o ‘Professor Pinguim’, que em um momento de dificuldade foi de extrema bondade e compreensão, dividindo a cama com ele, uma vez que havia excesso de residentes. “JB — ele me chamava assim —, não se preocupe, durante uns dias vamos dormir de valete”. E assim fez Carlos Alberto, numa prova inequívoca da sua bondade, dividindo a cama com o colega. Essa solidariedade era corrente, lembra, uma vez que o número de universitários muitas vezes extrapolava as vagas disponíveis e, nesses casos, “sempre se dava um jeito para alojar um amigo”. Essa prática, que era proibida, passava pela fiscalização que “fazia olhos grossos” para os “clandestinos”, por entendê-los.
O doutor João Batista considera que o convívio em residências universitárias foi um período extremamente rico pela troca de experiências e pela possibilidade de conhecer outros jovens que, como ele, queriam atingir o seu ideário com a qualificação profissional. Também havia momentos de interação cultural: “recebíamos visita de artistas feirenses como o saudoso Carlos Pita, Dionorina e outros”. João Batista frequentou as duas instituições, mas concluiu o período de estudos morando em uma pensão na Avenida Luiz Tarquínio, Itapagipe.
Desse tempo de esforço e dedicação, às vezes com extrema dificuldade para chegar ao clímax desejado, João Batista Cerqueira também não olvida momentos significativos, revestidos da merecida importância ou pelo lado do humor e da descontração. Nesse contexto, lembra o doutor Pedro Américo, que depois foi prefeito de Amélia Rodrigues, apontado como o universitário que mais tempo demorou na UFBA. “Pedro Américo de Brito era um cidadão do bem, tranquilo, mas gostava da noite, quando saía para se divertir, e de dia, durante as aulas, dormia. Era chamado doutor Soneca. Assim levou 15 anos na universidade”, lembra.
Com a instalação, em 1968, da Faculdade de Educação de Feira de Santana, no governo Luiz Viana Filho (1967/1971) e do prefeito João Durval, em igual período, e a posterior implantação da Universidade Estadual, oferecendo vários cursos, a imperiosa necessidade da RUF tornou-se desnecessária. Anos depois, ela foi desativada, mas deixou marcas inapagáveis na vida de muitos que ali estiveram.
Por Zadir Marques Porto