
Pode-se dizer, com base na história, que a chegada de imensas boiadas, criando um forte negócio específico e determinando a instalação do campo do gado, com a necessária mutação deste para diversos pontos da cidade, contribuiu decisivamente para o surgimento e a expansão de Feira de Santana, que chegou a ser conhecida como ‘cidade das boiadas’.
Enormes boiadas atravessavam o território baiano, procedentes, basicamente, do Piauí, Goiás e Minas Gerais, e o destino era a Bahia, como a cidade de Salvador era conhecida. Para chegar a esse destino, o caminho obrigatório incluía a cidade de Cachoeira, onde o gado era embarcado em navios. Eram semanas e semanas de viagens por caminhos inóspitos, praticamente abertos com a passagem dos animais, que funcionavam como se fossem máquinas (tratores) abrindo e alargando as estreitas trilhas existentes e estendendo-as a locais bem mais distantes. À medida que as boiadas iam passando, as vias tornavam-se mais transitáveis.
E para chegar ao porto da importante cidade de Cachoeira, que reinava no Recôncavo baiano, os destemidos e vigorosos boiadeiros, como movidos por uma bússola imaterial, foram descobrindo o local ideal para a necessária parada depois de semanas de viagem. Um ponto bom para a recuperação de peso dos animais e deles também, igualmente desgastados pela longa jornada na qual, além da distância, tinham que se desdobrar para evitar o desgarre de animais, a travessia de pequenos rios e outras ocorrências, como picadas de cobras venenosas, o que não era raro.
Nesses percursos alongados, onde a intuição da vaqueirada era fundamental, a região de Feira de Santana, que ainda não existia com esse topônimo, foi descoberta devido à sua topografia, à existência de bons pastos e água em abundância, por conta de dezenas de lagoas. A formação do povoado por volta de 1800 e oficialmente em 1819 foi o resultado das paradas dos boiadeiros com manadas destinadas à Bahia (Salvador) para um razoável descanso antes da jornada final até a cidade de Cachoeira. Assim, o povoado foi elevado à vila em 1830 e, com essa importância, o crescimento do comércio tornou-se maior.
Com a constante chegada de boiadas, alguns criadores da região começaram a fazer negócios, o que também interessou aos donos de animais, já que vender o gado aqui tornava-se menos dispendioso do que levá-lo até Cachoeira. O primeiro campo do gado, em consequência dessa negociação, surgiu nas imediações do atual Feiraguai. O acelerado crescimento das transações entre criadores da região e produtores de municípios distantes, inclusive de outros estados, fez com que o campo do gado fosse levado para a Gameleira, ou Praça do Nordestino (pela existência do Abrigo Nordestino). Na verdade, Praça Dom Pedro II, já que o Imperador esteve ali visitando a feira de gado. Nessa mesma área teria ocorrido o enforcamento de Lucas da Feira (Lucas Evangelista).
Mas a expansão dos negócios com bovinos continuava alta, fazendo com que o prefeito Heráclito Dias de Carvalho (1938/1943) implantasse os ‘currais modelos’, área hoje ocupada pelo Colégio Municipal Joselito Falcão de Amorim, o Museu de Arte Contemporânea Raimundo Oliveira e adjacências. Nesse novo espaço, o movimento ganhou projeção nacional. Ali chegaram a ser vendidos mais de mil bovinos em um só dia, tornando-se a ‘feira do gado’ uma grande atração que trazia a Feira de Santana pecuaristas de várias partes do país, turistas, jornalistas brasileiros e estrangeiros, e cineastas. O comércio de gado tornou-se referência, tanto que, no sistema de cotação da arroba de boi em nível nacional, Feira de Santana figurava como uma das bases.
Na década de 1960, pela quarta vez, a ‘feira de gado’ mudava de local, empurrada pelo crescimento urbano. O prefeito Arnold Ferreira da Silva (1959/1962) transferiu o campo do gado para um local mais distante, na parte leste da cidade, que passou a ser conhecido como Campo do Gado Novo. Nesse local, o movimento continuou muito grande, até porque, ao comércio de gado, associava-se o comércio convencional, com enorme quantidade de barracas e bancas para a venda de ferramentas, arames, calçados, confecções, doces, medicamentos, produtos da terra, redes e outros itens normalmente vendidos no segmento de lojas fixas.
No seu segundo governo, o prefeito José Falcão da Silva (1983/1988) construiu o Complexo Matadouro Campo do Gado, no distante bairro Pampalona, onde permanece, mas sem o brilho experimentado nos locais anteriores, o que é perfeitamente natural devido às transformações ocorridas no modal da venda de gado com o passar dos anos, restando assim a memória do que foi a maior feira de gado da Bahia e uma das maiores do país, responsável diretamente, ao lado da feira-livre, pelo desenvolvimento e projeção de Feira de Santana nacionalmente, entre as 30 mais importantes cidades do país.
Por Zadir Marques Porto
Fonte: Prefeitura de Feira de Santana