Almeida, o artilheiro com um canhão na perna direita que abreviou sua história

Com um defeito na perna direita – semelhante ao de Garrincha –, ele foi artilheiro no Fluminense, chegou a ser levado pelo Botafogo do Rio de Janeiro, foi pretendido pelo FC do Porto e parou prematuramente com dores no joelho afetado. Trabalhou como segurança bancário e terminou os dias na pobreza. A perna que poderia ter-lhe dado riqueza trouxe-lhe um fim penoso, quase desamparado.

A vida é justa ou injusta? Há os que reclamam da vida com razão e os que nada têm a reclamar, pelo contrário, e mesmo assim reclamam. Cada um sabe de si, e a opinião pública às vezes pode estar baseada em fatos não reais, até mesmo por não conhecê-los verdadeiramente, mas a história do artilheiro do Fluminense, Almeida Cepão, merece pelo menos uma reflexão. Carlos Almeida da Silva surgiu nas peladas comuns nos inúmeros campos de futebol existentes na cidade até os anos 60, quando o acelerado crescimento demográfico começou a mudar o panorama urbano, com a ocupação dos terrenos vazios disponíveis.

Boa altura, “forte como um touro”, como se diz popularmente, um canhão no pé direito – logo o garoto do Sobradinho estava no Riachuelo, das Baraúnas –, com passagem rápida, já que o Ypiranga levou o camisa nove, já famoso no futebol da cidade pelas suas arrancadas, a cabeceada – equivalente a “um tiro” –, e o chute de pé direito, verdadeira “bomba” que atemorizava goleiros. As pernas fortes e musculosas – a direita torta para dentro, parecendo mais curta –, davam ao atacante arranque e impulsão notáveis e pontapé violentíssimo.

O rico futebol amador da cidade, celeiro do Fluminense, chamava a atenção do médico Wilson da Costa Falcão, gestor do tricolor, para o qual ele levou o garoto Cepão em 1958. No Flu, ao lado de vários outros jovens oriundos do amadorismo, o “destroier” formou o time bicampeão baiano de aspirantes (1960/1961), verdadeira máquina de fazer gols. Na época, os jogos do campeonato tinham os aspirantes na preliminar, e o torcedor chegava mais cedo no Jóia da Princesa e na Fonte Nova para ver a rapaziada do Fluminense.

Em 1961, bicampeão invicto, com 15 vitórias em 16 jogos e um empate com o Ypiranga, o tricolor marcou 63 gols, e Cepão, 24 gols. Os demais times reunidos não conseguiram superar o artilheiro tricolor. Em 1963, o Fluminense foi campeão estadual com sete jogadores do time de aspirantes, dentre eles Almeida, que logo chamou a atenção de outros clubes, e o Botafogo do Rio de Janeiro chegou a levá-lo para atuar ao lado de Garrincha, que, como ele, tinha um defeito nas pernas. Mas, humilde e acanhado, Almeida pediu para voltar.

O artilheiro das pernas tortas, com um “canhão” no pé direito, continuava nas manchetes. O Futebol Clube do Porto, de Portugal, entrou em contato com o Flu, mas Almeida, rapaz simples, humilde e acanhado, disse logo que não queria ir para o “fim do mundo”. Em 1967, o técnico carioca Walter Miraglia trouxe quase um time completo do Rio de Janeiro, e Cepão, acreditando que não mais teria espaço, resolveu deixar o futebol e abrir um bar no Sobradinho. Sotero Monteiro, técnico do Ypiranga, tomado conhecimento do fato, veio correndo buscá-lo.

Dores intensas no joelho direito, já que a perna torta fazia com que todo o peso do corpo se concentrasse no lado direito, abreviaram sua carreira prematuramente. Campeão baiano de 1963 pelo Fluminense, apesar do vigor físico e capacidade de fazer gols, Cepão jamais sofreu expulsão de campo nem discutiu com um adversário, constituindo-se em um atleta de comportamento exemplar. Fora do futebol, trabalhou como segurança em uma agência bancária local, mas teve que se afastar. Com dores atrozes na perna direita atrofiada, deixou o trabalho. Passou a fazer “jogo do bicho” em um bar no Sobradinho e faleceu em 2024. Carlos Almeida da Silva, o Cepão, homem do bem, humilde, educado, artilheiro baiano, hoje poderia ser um bilionário do futebol, mas terminou os dias em extrema pobreza.

Por Zadir Marques Porto

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