
Com quase 60 anos de funcionamento, a Estação Rodoviária de Feira de Santana — por onde passam milhares de passageiros para os mais diferentes pontos do país — acolhe a todos com cinco valiosos painéis do artista Lênio Braga, retratando com fidelidade a antiga “cidade das boiadas”. A história ali contada quase não é percebida e, quando muito, é vista apenas como algo decorativo.
Edificada e inaugurada pelo 31º governador da Bahia, Antônio Lomanto Júnior (1963–1967), quando era prefeito do município o professor Joselito Falcão Amorim (1964–1967), com a importante missão de proporcionar embarque e desembarque ordenados aos passageiros de ônibus que fazem linhas estaduais e interestaduais, a Estação Rodoviária de Feira de Santana, além de cumprir essa finalidade há quase seis décadas, abriga em suas dependências internas um importante item artístico-cultural que continua praticamente despercebido pela maioria dos que por ali transitam diariamente, apesar da sua explícita presença — impossível de não ser notada.
Na verdade, trata-se de um conjunto de murais em espaços separados — cinco painéis produzidos em mosaico, com a técnica e a habilidade notórias do grande artista paranaense Lênio Braga — retratando o cenário típico da época, da região nordestina, centrado na anatomia de Feira de Santana, a “terra das boiadas”: sua gente, suas fantasias, seus personagens, seus modos vivendi — como faria um retratista garantindo imagens, ou capítulos, de uma história para a posteridade.
A feira livre, que simbolizou a cidade-princesa em sua grandiosidade como a maior do gênero no país — e que foi extinta em 1977 com a inauguração do Centro de Abastecimento — está perfeitamente encravada nas paredes do terminal rodoviário. Porcos, cabras, cães, papagaios, animais à venda, assim como facões, alpercatas, calças, jalecos, frutas, temperos, cachaças, comidas, ferro de engomar, gaiolas, homens, mulheres, crianças — uma infinidade de seres e objetos que, na sua heterogeneidade, compõem o universo ruralista dentro de uma urbe: um cenário bucolicamente sentimental que desvanece com extrema rapidez diante do avanço tecnológico. E, nesse universo, não faltam: o vaqueiro, a boiada, o matuto, figuras populares e os “coronéis” também.
O sertanejo, protagonista e figurante nessa “cenografia” real, igualmente presente nos painéis de Lênio, na sua tipicidade física, não deixa dúvidas quanto à “locação” utilizada: Feira de Santana. O conjunto — um quinteto de painéis em mosaico, dimensionados em formatos diferentes (o menor com 2,90 x 2,95 m e o maior com 18,75 x 2,95 m) — de acordo com o espaço físico disponibilizado na época da execução, é privilegiado até nesse aspecto, evitando uma uniformidade que talvez causasse monotonia ao observador. Mas, apesar desse hiato de tamanhos, não há como desfazer a ideia que, pertinaz, explode eloquente, rememorando uma passagem épica da Princesa do Sertão, registrada em livros, jornais e documentos — e, de forma mais popular, anotada na memória de cada um e nos livros de cordel.
Passadas quase seis décadas de indiferença por parte de muitos — ou quase todos — que entram e saem do terminal estritamente como passageiros, os painéis produzidos por Lênio Braga tornam-se personagens de um novo tempo, diante da possibilidade (e até da necessidade) de transposição da rodoviária para outro local. A ideia, que não é nova, tem como justificativa o reduzido espaço físico no entorno do prédio, em flagrante contraste com o crescimento do fluxo de passageiros, ônibus e horários.
Mas há também quem defenda a manutenção do terminal à margem da Avenida Presidente Dutra, na confluência com a Rua Comandante Almiro, pela comodidade que oferece aos que ali embarcam e desembarcam, no centro da cidade. No caso de mudança — o que parece inevitável, embora sem data definida — a sugestão do jornalista, escritor e cordelista Franklin Machado merece ser considerada: a transformação do prédio da rodoviária em museu, garantindo assim a preservação da obra de Lênio Braga, paranaense nascido em Ribeirão Claro em 1931 e falecido prematuramente aos 42 anos de idade, em 1973 — dez anos após produzir os painéis da Rodoviária de Feira de Santana.
Por Zadir Marques Porto