No tempo das marinetes Feira já era Princesa do Sertão

As gerações recentes não sabem o que foram os “focinhos compridos”, como foram batizadas pelo povo, mas as marinetes, trazidas de Pernambuco na década de 1960, deram uma contribuição importante no processo de desenvolvimento da Princesa do Sertão, já que foram os primeiros veículos de transporte coletivo que aqui circularam. Eram “ônibus” para o dono da maior frota em Caruaru, que não conseguia dizer ônibus. Mas, na verdade, eram marinetes!

Com a população estimada entre 100 mil e 140 mil pessoas, majoritariamente vivendo na zona rural, nas décadas de 1940/1960, Feira de Santana tinha pressa de alcançar a plenitude do seu progresso e dava seus “estirões” que evidenciavam a sua condição de “Princesa do Sertão”, como foi sabiamente cognominada pela professora Marília Cordeiro de Souza, durante um discurso em 1916. A celeridade dependia de meios de transporte surgindo então, para atender o clamor popular: as marinetes, nada mais que um ônibus, com as naturais diferenças que o tempo e a tecnologia impõem, ou propiciam.

Evidentemente menores no tamanho e com reduzida capacidade de acomodação, talvez em torno de 25 a 30 passageiros, apresentando a parte frontal alongada ou “focinho comprido”, como era dito popularmente, as marinetes, fabricadas pela Mercedes Benz, cujo design era bem diferente dos ônibus atuais, com alguma semelhança com os ônibus de cor amarela que fazem o transporte escolar oficial, ganharam natural popularidade pela sua reconhecida importância. O ponto das marinetes era em frente à Igreja Senhor dos Passos, diz o cordelista Jurivaldo Alves, que na época trabalhava como borracheiro e frequentemente consertava pneus desses veículos.

Lembra com precisão de três desses veículos de passageiros: “Um de Periquitinho, outro de ‘seu’ Oscar e o terceiro de João Carlos”. Inicialmente, eram poucas linhas: Tomba, Sobradinho, Brasília e São José (distrito de Maria Quitéria), depois foi aumentando, relata. A novidade trazida em 1961 por três cidadãos que exploravam esse meio de transporte em Pernambuco e Rio Grande do Norte foi bem aceita, e tanto populares como pessoas mais bem situadas socialmente usavam esse meio de transporte. Os motoristas vestiam camisa social com gravata e demonstravam urbanidade. Ele não lembra o valor das passagens, que variavam de acordo com a extensão da linha. Era utilizado um talonário, e dentro do veículo o cobrador extraía a passagem de acordo com o roteiro a ser cumprido.

Um fato interessante ocorreu com a marinete de Periquitinho, nas imediações da atual Cidade Nova: “O veículo tombou e desmanchou todo, desmanchou mesmo, mas não houve morte nem feridos.” A causa do acidente ele não sabe, mas ressalta que “Periquitinho gostava muito de tomar umas”. Com o surgimento da “praia de São José”, uma tentativa do governo municipal de oferecer lazer para a população, aos domingos, grupos de amigos fretavam ou acertavam com o dono uma marinete para um passeio que nem sempre corria bem. Lembra Jurivaldo que, numa dessas “viagens”, o veículo apresentou defeito e fez o percurso de volta (13 km) na primeira marcha, já que as demais marchas não funcionavam. Em outro passeio, a rapaziada teve que empurrar a marinete durante boa parte do percurso para chegar a Feira, mas “valeu, tudo era bom na época”.

Nas marinetes ocorriam casos engraçados, geralmente envolvendo apreciadores da caninha. Um desses, chamado Eustáquio ou “Estaca”, era conhecido pelas suas tiradas. Sentado no meio dos passageiros, começou o lengalenga: “Se meu pai fosse um galo e minha mãe uma galinha, eu seria um pinto; se meu pai fosse um boi e minha mãe uma vaca, eu seria um bezerrinho; se minha mãe fosse uma jumenta e meu pai um jegue…” E como não dissesse mais nada, o motorista perguntou: “E aí, você seria o quê?” E Eustáquio, de imediato, respondeu: “Eu seria um burro igual a você!”

As marinetes foram um meio de transporte popular em todo o Nordeste, e por conta disso, são muitas as histórias relacionadas com esse veículo. Jurivaldo Alves cita que, em Caruaru, um cidadão conhecido como Pedro – que foi um dos introdutores do sistema em Feira – era analfabeto, mas extremamente inteligente em se tratando de negócios, chegando a ter uma frota de marinetes que, para ele, eram ônibus, mas chamados de “ônbus”, já que ele não conseguia falar certo. Um empregado dele, de boa vontade, um dia tentou corrigi-lo: “Seu Pedro, não é ônbus como o senhor fala, é ônibus”, e Pedro respondeu: “Tá muito bem, meu filho, você sabe falar certo, mas não tem nenhum. Eu falo errado e tenho 100 ônbus!”

Em 1962, com o rápido progresso da cidade, José Ferreira Pinto – Zé Pinto, que foi vereador e vice-prefeito do município, vendo a precariedade do transporte urbano, implantou a empresa Expresso Alvorada, constituída por 13 kombis novas adquiridas na empresa Feira Motor, concessionária da Volkswagen, número pouco tempo depois ampliado para 28 veículos. Logo vieram os micro-ônibus. A Translar surgiu como a primeira empresa de ônibus urbano, depois nominada Transul. Surgiram em seguida outras empresas de transporte urbano como a Autounida e a Safira, mas não se pode deixar de falar das marinetes, que foram extremamente importantes para a Princesa do Sertão.

Por Zadir Marques Porto

Fonte: Prefeitura de Feira de Santana

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