SJDH promove “Segunda Semana de Direitos Humanos” na Fundação Dr. Jesus e escutas revelam histórias de superação e transformação

“Quando eu tinha 10 anos, disseram à minha mãe que eu não chegaria aos 12. Hoje, aos 46, sigo vivo e com um sonho: ser advogado.” O relato de J.M., acolhido há oito meses pela Fundação Dr. Jesus, marcou o momento de escuta ativa da ‘Segunda Semana de Direitos Humanos’, promovida pela Secretaria de Justiça e Direitos Humanos (SJDH). Sua trajetória é uma entre tantas que encontram novos caminhos a partir da escuta, do cuidado e da valorização da dignidade humana.

Como parte das ações de fortalecimento da política de atenção aos acolhidos, a Superintendência de Apoio e Defesa aos Direitos Humanos da SJDH realizou, na última quinta e sexta-feira (3 e 4 de julho), uma visita técnica à Fundação, dentro da programação da Semana de DH. A iniciativa é promovida pela equipe de Gestão da parceria, a Comissão de Monitoramento dos Acolhidos e as equipes de escuta, todas da SJDH, em conjunto com a Fundação. A programação inclui atividades com acolhidos e técnicos da entidade, com o objetivo de fomentar o debate sobre temas sensíveis e fundamentais, como os direitos das pessoas com deficiência, pessoas idosas, diversidade e de outros grupos no contexto da Fundação.

“A ideia é alcançar todos os segmentos e públicos da instituição, criando um espaço de escuta ativa, diálogo e troca. O objetivo é entender as reais necessidades, identificar o que pode ser melhorado e, principalmente, dar voz a quem vive a rotina da Fundação”, explica Luciana Leite, gestora da parceria pela SJDH. A semana também busca reunir as percepções tanto dos acolhidos quanto dos técnicos sobre os desafios do dia a dia, promovendo reflexões e apontando caminhos possíveis para o fortalecimento da política de direitos humanos na instituição.

Participando da palestra sobre motivação e direitos das pessoas com deficiência, J.M. é cadeirante e integrante do grupo “Pelotão de Jacó”. Ele se animou com a fala de Matheus Martins, advogado e diretor de Promoção dos Direitos das Pessoas com Deficiência, da Superintendência de Políticas para a Pessoa com Deficiência/Sudef/SJDH. “A palestra do Matheus me motivou mais ainda. Cheguei aqui desacreditado de mim e da minha família. Tô aqui, há oito meses, e nunca tive visita de familiares. Só da minha esposa. Não os culpo, afinal, quem errou fui eu. Aqui é o lugar pra quem realmente quer se tratar, se cuidar (sic)”.

Com o sonho de se tornar advogado, o acolhido da Fundação reflete sobre as consequências do tráfico, afirmando que ele destrói não só os usuários, mas famílias inteiras. Segundo ele, “o traficante, mesmo sem puxar o gatilho, causa mais mortes que um pistoleiro”. Em recuperação, ele reforça que a Fundação não é um lugar de repressão, “mas um espaço de reeducação, de disciplina, onde se aprende a valorizar o que os pais tentaram ensinar, e a reconstruir a vida. Tô aqui me reeducando pra vida lá fora”, reafirmou J.M.

O psicólogo Neilton Mattos explica que o trabalho terapêutico na Fundação Dr. Jesus começa já no acolhimento, com a ‘anamnese’ (entrevista detalhada com o paciente, realizada por um profissional de saúde) e, em seguida, uma avaliação psicológica que direciona o plano terapêutico individual, com duração média de nove meses.

“Os primeiros 45 dias, marcados pela abstinência e negação, são os mais críticos do processo, exigindo acompanhamento intensivo para prevenir recaídas. Neste processo, a importância do psicólogo como elo entre as dores não elaboradas do acolhido e o apoio oferecido na casa, reforçam que o tratamento vai além do indivíduo: envolve a família, os obreiros e o convívio em grupo”, explicou o profissional. Para ele, o maior desafio é a prevenção de recaídas, e a maior motivação está nos reencontros com ex-acolhidos que retomaram suas vidas e, hoje, ajudam outros.

E.S, de 24 anos, é interna e conheceu a Fundação através das redes sociais. Em seu relato, disse que sua vida antes da Fundação era uma realidade de ruas e uso abusivo de drogas. “Eu só me sentia bem usando drogas. Aqui, encontrei apoio com psicólogos, obreiros, assistentes sociais e Deus… outros sentidos para me sentir bem”. Perguntada sobre o futuro, a jovem não tem dúvida: “Me imagino estudando, voltando a trabalhar, dando orgulho à minha família e na certeza de que reconquistarei a confiança deles”.

Com a missão de acolher, recuperar, reinserir no mercado de trabalho e restabelecer vínculos afetivos e familiares, o Instituto de Defesa dos Direitos Humanos Doutor Jesus ressignifica trajetórias marcadas pela dor em caminhos de esperança. Atualmente, são 1.712 pessoas acolhidas, entre homens, mulheres, jovens e crianças. Dessas, mil adultos recebem apoio direto do Governo da Bahia, por meio de cooperação com a Secretaria de Justiça e Direitos Humanos (SJDH) e a própria Fundação, com vigência até julho de 2027.

A megaestrutura conta com 297 profissionais: pedagogos, psicólogos, assistentes sociais, educadores físicos, fisioterapeutas, equipe de enfermagem completa, nutricionista, cozinheiros, monitores e equipe administrativa. Além disso, há motoristas para atender demandas externas, espaço kids (com psicopedagogos para atender filhos e filhas dos/as internos/as), refeitório, três piscinas – uma, inclusive, exclusiva para crianças e adultos com Transtorno do Espectro Autista (TEA) – e uma ampla área de lazer, batizada de Dona Lindu. A entidade sem fins lucrativos funciona em regime de acolhimento 24 horas, com três unidades, cada uma com capacidade para mais de 600 vagas de internamento.

Na Fundação, dignidade e a crença na pessoa humana com direitos a reescrever suas trajetórias são prioridades, e cada porta aberta é uma nova chance de recomeço. Somente na última quinta e sexta-feira, 154 novos acolhidos foram internados. O internamento é gratuito.

“É um trabalho de 33 anos. A gente vem identificando que há um crescimento significativo da demanda. Começamos lá atrás com 50, depois 250, 500… e hoje, acima de mil. A nossa proposta é socorrer vidas, prestar o serviço. Então, não deixamos de ofertar esse suporte para aqueles que estão percebendo e reconhecendo a necessidade de mudar de vida”, disse Itana de Jesus, diretora administrativa da Fundação. Ela destaca um fenômeno que tem crescido ao longo dos anos: o aumento de mulheres fazendo uso de substâncias psicóticas.

“Há um aumento no número de mulheres que têm buscado o serviço da entidade por conta do uso abusivo de substâncias psicoativas. Muitas chegam influenciadas por relacionamentos com pessoas envolvidas com o tráfico ou usuárias, o que as leva à mesma realidade. Outra questão é a violência doméstica. Muitas recorrem ao uso da droga como uma forma de amenizar o sofrimento ao qual são submetidas”, observa a diretora administrativa da entidade.

A reinserção social e econômica também é parte essencial do processo. A Fundação oferece cursos profissionalizantes como Panificação e Confeitaria, Ajudante de Cozinha, Soldador, Informática e Cabeleireiro – todos financiados pelo Governo da Bahia. Um destaque especial vai para os monitores, muitos deles ex-acolhidos que se recuperaram e hoje atuam na própria instituição. Eles representam, na prática, o ciclo da transformação: de acolhido a agente de cuidado.

Elaine de Araújo, 36, monitora de dependente químico, ex-interna e hoje, agente/funcionária da Fundação. “Cheguei à Fundação em 2015, totalmente destruída pela cocaína, com mais de cem quilos, rejeitada pela minha família e por todos ao meu redor. Quando se vive no vício, as pessoas naturalmente se afastam. O momento mais difícil foi lidar com a saudade e aprender a renunciar às minhas próprias vontades. A mudança foi o maior desafio, porque, quando estamos no erro, achamos que tudo está certo. Mas, com orientação, entendi que precisava mudar. Fui acolhida, me tornei líder de casa e, depois de seis meses, recebi a oportunidade de ser contratada. Estou aqui desde 16 de fevereiro de 2016. Hoje, tenho diálogo com todos, fui transformada pela palavra e aprendo algo novo a cada dia. A Fundação me fez ser quem sou: uma pessoa de família, grata e restaurada. Sou resultado desse trabalho. A minha mensagem para quem está começando é: nunca é tarde. Sempre existe uma esperança. Acredite, o dia nublado vai amanhecer limpo”, declara Elaine.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Rolar para cima